AMOR DE AVÓ



Leãozinho
Você chegou, súbito, fenômeno, dínamo, arrebatando todos os corações! Fez um link em mim... me tirando do sério me deixando boba, desconcertada. Tua vida tão fresca, intensa, preciosa me atrai com força. Parece uma fonte donde jorra, livre e abundante, o amor. Misto de ternura e radicalidade. Mudança. Realidade. Ternura.

Quando teu pai era quase tão pequeno quanto você eu curtia aquela musica do Caetano... que te dedico, hoje, filhote!


O Leãozinho Caetano Veloso



Gosto muito de te ver, Leãozinho

Caminhando sob o sol
Gosto muito de você, Leãozinho

Para desentristecer, Leãozinho
O meu coração tão só
Basta eu encontrar você no caminho

Um filhote de leão, raio da manhã
Arrastando o meu olhar como um ímã
O meu coração é o sol pai de toda a cor
Quando ele lhe doura a pele ao léu

Gosto de te ver ao sol, Leãozinho
De te ver entrar no mar
Tua pele, tua luz, tua juba

Gosto de ficar ao sol, Leãozinho
De molhar minha juba
De estar perto de você e entrar numa

III CONGRESSO DE GESTALT-TERAPIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: TRANSFORMAÇÃO NO CAMPO EM BUSCA DE UMA BOA FORMA. DIAS 4 E 5 DE SETEMBRO DE 2010.

Não sei se é possível estudar em um congresso de Gestalt. Considerando todo o preconceito que EU tenho em cima da palavra estudar. Eu cresci isso sim, acredito que crescer defina bem todo o processo vivido no evento já que o amigo Aurélio nos diz que crescer também é um aumento de intensidade, duração, volume e quantidade.

Logo de início no brotar da idéia (congresso) me despertou uma ansiedade forte, pois não sabia o valor sabendo que seria certamente inviável ao meu orçamento, que me fez pensar em como a organização estipula o valor. Mas também não sei quantificar tudo o quanto ganhei com o evento, porém certamente muito mais do que um número estipulado a ser cobrado como o preço de um objeto. Ou seja, por um lado posso olhar como um congresso bastante caro referente ao tamanho das expectativas lançadas ou então posso também qualificar como um congresso baratíssimo já que não consigo quantificar numericamente o quanto ganhei com a oportunidade.

Entrar em contato pleno com a minha pessoa, ou seja, me encontrar para poder encontrar o outro. Viver um congresso de Gestalt-Terapia porque não se estuda paradigmaticamente, se entra em contato, experimenta, e se estuda também de fato.

Chorei dos mais diversos motivos, sorri dos mais diversos motivos, abracei por questão de abraçar mesmo. Também fui abraçado e sei que por puro gosto. Senti raiva e vi que precisava expressa-la mais. Mesmo quando não tínhamos o toque nas dinâmicas, onde não se podia encostar-se ao outro percebi que a coisa ficava ainda mais intensa. Sem toque e sem fala: só o movimento! Movimento do corpo movimento dos olhos movimento das expressões e movimento da alma tudo era muito mais comunicação tudo era mais pleno, mais sincero. Não permite espaço para quem não se mostra como se realmente é. Vejo que se não tivesse tido a idéia de escrever sobre não teria percebido o quão importante foi pra mim. E o quanto consegui absorver.

Agradeço muito aos amigos presentes que dividiram muito de todo esse processo não só acadêmico, mas terapêutico também. Fernanda Galhardo de Castro, Guilherme de Carvalho e Rachel de Jesus Fernandes de Oliveira parabéns pelo trabalho exemplar que palestraram, isso me motiva de uma forma indescritível. Lidi, Cela, Nicole

FELICIDADE AMAR E AMOR




Felicidade é sensação
É o cheiro suave que toca o pulmão
E aquece o coração.

Para ser feliz de verdade
é preciso ter fé, querer,
trabalhar  neste projeto e
Lutar nesse caminho.
Ela só pode ser vivida
Nunca planejada.

Um mago não é feliz sem sua caldeira
Como o escritor não o é sem seu papel

O tédio habita em uma pessoa sem fé.
Só a rotina pode salvar a felicidade
É feliz quem tem seu dia-a-dia
com muita alegria.

A caminhada é mais importante que a chegada.

O amar é muito mais simples que o amor.
Penso que o amor é ilusão, sonho.
Aquele que prega o amor é herege, charlato e enganador.
Pois o amor é a amarga ilusão de algo que nunca virá.
Aqui está a bela questão do tempo
que difere o amor  como objeto distante
 do amar sentido sentindo vivendo e acontecendo.
O amar é experiência vivida,
é toque presente no momento do toque
O amar é fluir, o amor é cair.


Autor: André Luiz Santos da Silva





corpo extensão objetos vida

corpo - consciência - movimento - consciência - corpo
esticando e recolhendo o dedão do pé consigo controlar melhor o acelerador
soltar a embreagem bem devagar é melhor começando pelo joelho
descobri que penso com a papa da língua, pois não consigo relaxar a língua quando estou construindo uma seqüência de raciocínios
posso "dizer" bom dia de modo bem mais convincente  apenas sorrindo e olhando nos olhos
posso descansar todos os meus músculos por um instante e sentir a extensão dessa sensação
meu-corpo seu-corpo extensão objetos encontros vida

Os Sonhos e a Terapia


 A importância dos Sonhos para a
prática da Psicoterapia



Esse trabalho busca descrever os principais conceitos da psicologia analítica relacionados ao fenômeno do sonho e qual a aplicação possível, na abordagem junguiana, para o trabalho na clínica. Quer ressaltar, ainda as questões de interpretação e da classificação dos tipos de sonhos e abordar a discussão em torno do significado e da intencionalidade das imagens oníricas. Pretende mostrar como a interpretação de sonhos e a imaginação ativa podem ser ferramentas muito importantes para o analista na prática da psicoterapia. Está principalmente fundamentado nas considerações e formulações do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) que, baseado na observação clínica de seus pacientes, em experiências próprias e em muitos outros pensadores, tornou mais abrangente o papel dos sonhos, postulando uma teoria em que esses, seriam reveladores de uma busca de equilíbrio por parte da psique através da atuação compensatória desse sistema. Segundo ele, nessa busca por estabilidade, influências arquetípicas interagem nos sonhos buscando levar ao consciente, conteúdos do inconsciente, muitas vezes carregados de intensidades e afeto. Para o mestre suíço, as situações absurdas dos sonhos devem-se à forma própria do inconsciente se expressar e é preciso acercar-se de suas imagens sem a urgência de convertê-los ao modo de raciocínio e valores próprios do modo de funcionamento do consciente.










O Que São os Sonhos – Para Jung, os sonhos são o que são. Eles não são uma codificação ou metáfora de outra coisa. São como matéria prima, conteúdos integrantes da vida psíquica do sujeito que podem ser trazidos para a vida real.
Sua linguagem é própria, eles têm geralmente a estrutura de uma peça teatral. Tem um ambiente, onde personagens surgem, um evento de relação qualquer entre esses personagens acontece e há um desfecho. Sua linguagem é fria, óbvia, não usa subterfúgios. Os temas principais que consideramos culturalmente chocantes, cruéis, deselegantes ou despudorados são utilizados no sonho de forma esvaziada de tais comprometimentos e adequações. Essa é uma importante tarefa a se fazer ao interpretar um sonho: tirar o peso das convenções sociais e encontrar o que está sendo mostrado de forma pura.
Outro ponto importante na dinâmica dos sonhos é que eles têm a ver com a vida do sonhador. Por exemplo, uma mulher sonha que o gerente da empresa onde trabalha está sendo ameaçado de morte. Ora, o gerente na psique é claramente o ego e não o tal sujeito com quem a mulher tem pouco ou nenhum contato. Ela pode equivocar-se e dizer-lhe: “sonhei que sua vida corria perigo, mas já estou rezando por você!”. Porém quem corre sério perigo, nessa hipótese, é ela que anda preocupando-se menos com as exigências de seu mundo interno e deixando que grandes níveis de energia sejam represados numa postura unilateral, sintomática, por exemplo.
Os sonhos muitas vezes tentam corrigir uma descompensação ou rigidez nas atitudes e comportamentos cotidianos, do sujeito.

                                       Descompensação: 1. Qualquer situação em que se verifica um tipo de insuficiência funcional, inclusive mental. 2. Estado de um órgão cujo funcionamento está gravemente comprometido, sendo insuficiente o esforço que despende para dar resposta adequada ao que lhe é solicitado. (Dicionário Aurélio – Edição Eletrônica).

Em muitos momentos da obra de Jung podemos encontrar sua percepção da psique como um sistema onde a  compensação  e  a  homeostase  aparecem  como funções características de manutenção de um equilíbrio ótimo, na distribuição da energia para a psique como um todo.
Como exemplo podemos observar o caso de uma senhora que tinha muito medo de dirigir e sofria verdadeiros ataques de pânico cada vez que pegava o carro para ir a qualquer lugar. Ela sonhou que o carro era do tamanho de um navio e que virava numa calçada, ficando todo amassado. O tamanho do carro aumentado no sonho fala da intensidade de energia que era despendida naquela tarefa e do quanto uma parte dela gostaria de amassar e se livrar daquele objeto.
Pensando as imagens do sonho apenas com função compensatória ou homeostática, poderíamos entender esse comportamento do inconsciente como paliativo e trazendo pouco ou nenhum resultado efetivo para o alívio do sofrimento do sujeito. Isso é mais ou menos verdadeiro dependendo da reação do sonhador.
O Trabalho - A partir dessas imagens o consciente deve fazer um esforço de elaboração de modo que esse trabalho possa resultar em algo útil para a sua vida prática. O contato inicial com o sonho parece enigmático se tentarmos entender o inconsciente a partir do ponto de vista do ego. Mas se levarmos em conta que há mais conteúdos a serem vividos do que normalmente o ego gosta de admitir, veremos que alguns conflitos podem estar exigindo solução ou participação mais adequada por parte do sujeito, em busca de um consenso.
No nosso exemplo não seria suficiente sonhar para perder o medo de dirigir, mas o sonho pode ser trazido para uma discussão sobre: o quanto pode ser importante para ela atravessar aquela fase difícil; admitir que (se) deseja aprender; quais sentimentos são potencializados e quais situações de sua vida prática serão transformadas a partir da aquisição daquela competência; pensar em porque não consegue se ver dirigindo com destreza, quais tarefas terá que assumir após aprender a dirigir e dentre elas quantas lhe provocam outros medos, inseguranças e que outras associações pode trazer para elucidar a parte de si que está truncada sem clareza, sem luz, sem consciência. Em última análise, o trabalho é de crescimento de uma parte de si que ainda é um não-eu – na medida que é ignorada e intocada pela razão – em direção a uma ampliação de consciência.





 


As imagens do sonho tendem a contribuir nesse trabalho de forma muito peculiar porque são sentidas pelo sonhador como conteúdos seus e – mais eficaz do que falar sobre suas emoções – é falar a partir desses elementos-imagem, quase concretos, carregados de intensidade, que trazidos à categoria de realidade, isto é, contados, representados e significados, ganham vida, expressão e extensão permitindo ao sonhador várias novas configurações, composições e atribuição de qualidades.
Para o paciente que alega não sonhar podemos oferecer um caderno de sonhos que será deixado na cabeceira com uma caneta para que tão logo ele desperte possa anotar qualquer fragmento de que se lembre. O fato de não lembrar dos sonhos está sempre relacionado ao fato do sujeito não se importar com tal fenômeno ou não “acreditar” em sua atuação. Essa simples atitude fará com que, a cada dia, novas e mais significativas incursões do inconsciente fiquem registradas na memória.
Jung analisava séries de sonhos e perseguia uma imagem recorrente considerando-a significativa para o paciente em questão. Também fazia amplificações, isto é, relacionava imagens trazidas pelos pacientes com símbolos consagrados por toda a humanidade e fazia correlações que ligavam o paciente à significados culturais que ultrapassavam a história do sujeito. Mas é recomendável deixar essas amplificações para as tarefas de pesquisa científica e trabalhar, na clínica, mais objetivamente com a experiência de vida do paciente.
A Imaginação Ativa - Seguindo essa reflexão podemos falar aqui do conceito junguiano de Imaginação Ativa que consiste em o analista solicitar ao paciente que continue a “estória” do sonho, de onde ele parou. Esse exercício também trará ao setting as principais dificuldades (para o ego) levantadas pelo sonho e que servirão de ponto de partida para que o sujeito possa começar a se aproximar do material trazido e relacioná-lo às suas questões.
Quando o paciente “começa a continuar” o sonho ele entra num processo consciente de contato com a intensidade trazida pelo sonho; é como se estivesse aprendendo um novo idioma. Ele pode perceber o apelo de imagens que o tocaram e, através da continuação, imaginando, criando, abre caminho para uma conversa muito cooperativa em busca de solução, negociação, ou consenso, nessa rede de afetos, imagens e significados.
Os Modos de Interpretação Os Tipos de Sonhos – Muitas culturas preocuparam-se com os sonhos que são alvo de curiosidade desde tempos muito antigos. A forma como os recordamos e as variações de intensidade dos registros na memória os tornam enigmáticos, entrecortados, parecendo editados, ou seja, não se percebe o fio de conexão de tais lembranças com a vida de consciência. Esse modo peculiar, irregular e estranho do sonho impregnar a memória diz respeito à natureza complexa do inconsciente que não pode ser avaliado pelos mesmos padrões de exame de que nos servimos para raciocinar o mundo consciente. Os elementos coletados devem ser tratados como se aborda um idioma desconhecido. Esse trabalho deve ser cuidadoso, delicado, comparativo, metafórico onde o analista segue sondando e perscrutando as imagens sem pressa de chegar a um rótulo ou  atribuir às imagens oníricas um código do tipo isso=aquilo. O estudo comparativo com a história do sujeito vai estabelecer relações significativas com as imagens oníricas que se tornarão a base mais segura para a interpretação.







Como já falamos acima há um aspecto compensador por parte do inconsciente que na interpretação do sonho pode ganhar uma conotação prospectiva ou redutiva. É o caso do sonho ter uma forte influência sobre o sonhador de forma que este mude sua atitude em função do sonho. Neste caso o sonho não mudou a personalidade do sujeito, mas alterou o seu comportamento, trazendo-lhe algum insight e tomada de decisão a partir dali. Jung chama a atenção para conteúdos inconscientes que ainda não atingiram o status de consciência e que “passam” através dos sonhos para a realidade consciente:





        A função prospectiva do sonho é muitas vezes francamente superior à combinação consciente e precoce das probabilidades, do que não devemos admirar-nos, porque o sonho resulta da fusão de elementos subliminares, sendo, portanto, uma combinação de percepções, pensamentos e sentimentos que, em virtude de seu fraco relevo, escaparam à consciência. Além disto, o sonho pode contar ainda com vestígios subliminares de memória que não se encontram mais em estado de influenciarem eficazmente a consciência. Do ponto de vista do prognóstico, portanto, o sonho se encontra muitas vezes em situação mais favorável do que a consciência.(Jung, 1921, p.195)

Quando essa função compensatória visa de alguma forma desinflar uma atitude consciente que se percebe muito acima de suas reais competências esse sonho pode ser tomado como redutivo.

“O sonho redutor tende, [...], a desintegrar, a dissolver, depreciar, e mesmo destruir e demolir. Evidentemente, isto não quer dizer que a assimilação de um conteúdo redutor tenha um efeito inteiramente destrutivo sobre o indivíduo como um todo” (Ibdem, p.193)






mas, é a característica de seus efeitos sobre a dinâmica consciente que proporciona um caráter de correção. Ainda é a mesma função compensadora, o que muda é o efeito que produz na consciência.

Os sonhos não podem ser tomados apenas com o enfoque pessoal, mas também podem ter uma qualidade arquetípica. Os sonhos arquetípicos foram assim chamados porque contém forte carga afetiva, impressionam ao sonhador de tal forma que ele precisa contá-lo várias vezes para um grande número de pessoas. Dão a sensação de que pertencem a todos. Eles estão tão vivos na percepção do sonhador que “parece que foram reais”. Às vezes causam choro, medo, reverência ou são percebidos como premonitórios. Esses conteúdos intensos foram originados por uma grande proximidade com os arquétipos – que são protótipos de imagens e experiências que estão colocados para todos os sujeitos como herança psicológica. Sua natureza é primordial, não elaborada, “nitroglicerina” pura com a qual o ego não pode fazer contato a não ser por meio dos complexos que são formas especulares, projetivas de experienciar tais padrões.
Jung também identificou o tipo de sonho reativo. Ele está diretamente relacionado a traumas físicos e suas repetições visam a realocação do conteúdo traumático, onde a repetição funciona como expressão, nomeando o trauma, definindo-lhe um lugar e retomando-lhe o excesso de autonomia. Esse tipo de sonho não demanda interpretações, porque ter consciência dos conteúdos oníricos que se referem ao trauma em nada modificam o abalo que determinou o sonho.  Sua atuação já é um fim em si, contribuindo para a assimilação do trauma.
Considerações Finais
Muita coisa ainda há que falar sobre as observações dedicadas de Jung e tantos outros que se debruçaram sobre esse tema.
Percebemos aqui uma variada graduação da intensidade dos sonhos e a forma pela qual eles sensibilizam a memória e o emocional do sonhador. Quanto à memória pudemos entender que os sonhos estão em lugar diverso da consciência e, portanto, podem nos trazer imagens que ainda não foram adequada ou suficientemente registradas, proporcionando-nos uma ampliação de consciência. Em relação às emoções verificamos que, em razão de seu forte apelo, elas podem transformar as atitudes.
Vimos que a complexidade dos sonhos é inerente à sua natureza. São imagens que comunicam o inconsciente ao consciente. Como “coisas” que sobem do interior da terra escura para a superfície. Se pudermos nos dar ao trabalho de aceitar essas imagens como nos chegam, sem pressa de decodificá-las, sem submetê-las, apressadamente, ao modo de funcionamento do consciente, estaremos admitindo rico material com o qual convém que façamos algum estágio em nosso campo racional.
É importante um nível de tolerância que nos proporcione “aprender a compreender” sem a pressa de nossa mente reducionista que “já tem todas as respostas” e sem prejuízo de uma atitude cautelosa que nos caracterize o espírito científico.

Para saber mais:

JUNG, Carl Gustav. Obras Completas de C.G.Jung VOL XVI/2 Ab-reação, Análise dos Sonhos, Transferência. Petrópolis: Vozes, 1971.
  
________________. Obras Completas de C.G.Jung VOL VIII/2 A Natureza da Psique. tradução de Pe Dom Mateus Ramalho Rocha, OSB. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1021/1971.
  
________________. Memórias, Sonhos, Reflexões. Org e ed. de Aniela Jaffé; tradução de Dora Ferreira da Siva. – 1.ed.especial. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

 STEIN, Murray. Jung: O Mapa da Alma: Uma Introdução. tradução Álvaro Cabral; 5. ed. São Paulo:Cultrix,2006.

O Arquétipo do Herói no “Show de Truman”: Vivências do Heroísmo na Contemporaneidade.

Este artigo visa identificar as principais características presentes no arquétipo do herói e relacioná-las à saga do homem moderno, em seu contexto social, numa perspectiva individual, buscando visualizar o papel do sujeito na trajetória de tal modernidade com seus desafios, indagações e percepções, ou seja, perceber como o homem comum é chamado a realizar feitos heróicos; seja pelas exigências da cultura onde está inserido, seja pela força sedutora de suas próprias paixões e identificações. Além desse objetivo geral, busca também focalizar, mais especificamente, como a capacidade heróica pode ser canalizada para ratificar as exigências alienantes do sistema social ou utilizada, em benefício próprio, para o trabalho de auto-resgate dessas mesmas exigências e alienações sociais.
[...] Utilizaremos como ilustração para esta reflexão, flashes do filme “Truman – O Show da Vida”, cujo personagem se vê obrigado a questionar as verdades que o cercam [...] atirando-se a uma aventura em busca de suas próprias verdades. O personagem criado por Andrew Niccol, é vivido por Jim Carrey e o filme foi aos cinemas em 1998.




            [...] A partir de um pequeno resumo da história, traçaremos as reflexões objetivas a que nos propomos, ou seja, comparar a situação consciente do homem no mundo com o enredo do filme, questionando as condições de desenvolvimento individual, que são dadas, desde o nascimento, pela cultura, determinadas pela educação, pelo controle dos pais e das instituições; muitas vezes impedindo a participação do sujeito no desenrolar de sua própria história.
Esta não é, provavelmente, a mensagem que o autor pretenderia passar, pois a questão principal abordada é a da função controladora dos meios  de comunicação de massa, ferramentas largamente utilizadas pelo capitalismo, favorecendo, induzindo e manipulando o consumo. Uma vez que a mídia, com seu principal representante, a TV, já apresenta ao telespectador, no que se refere aos seus desejos e escolhas pessoais, os objetos prontinhos a serem cobiçados; com descrição cuidadosa de todos os detalhes que proporcionarão satisfação, prazer, comodidade, e etc., e em condições imperdíveis de pagamento; tornando os espectadores tão manipulados quanto o próprio protagonista. [...]



[...] Dentre outras leituras possíveis, priorizaremos uma leitura da demanda das características heróicas presente na trajetória comum de vida e o desenvolvimento da personalidade na cultura ocidental, e de como o arquétipo do herói pode nos levar a realizar bravuras em nome da manutenção do sistema já instituído ou, ao contrário, nos fazer transcender normas e regras a fim de descobrir a autenticidade e individualidade que estavam ocultas sob a obediência aos protocolos do sistema.
Arquétipo/ Complexo – Para o criador da psicologia analítica, Carl Gustav Jung, há uma estância não consciente que tem estreitas ligações com a consciência, embora não seja percebida diretamente por esta. É o inconsciente coletivo – que é constituído de todas as experiências já vividas pela humanidade, que ficam registradas, historicamente, em nossa psique.
Jung chamou arquétipos, a esses padrões culturais de comportamento ou de atitude humanos que se propagam através das gerações sendo reeditados na história pessoal. Jung observou que esses padrões se repetem e comparou-os à herança genética, como se estivéssemos falando de uma herança psíquica.
Nascemos imersos na cultura e vários papéis sociais estão colocados para que os vivamos. Somos passivos, ativos, omissos ou eletrizados por esses padrões; podemos vivenciá-los de acordo com a nossa capacidade individual e características pessoais, porém não somos imunes a eles. Sua influência sobre nós tem um peso de fatalidade, pois existem desde sempre, ou seja, precedem a história de cada um.
Podemos pensar o inconsciente coletivo como uma condição a que estamos submetidos assim como ao próprio corpo. Sua energia é um acúmulo das realizações vivenciadas por todos os antepassados. Podemos e devemos transformá-lo com nossa contribuição-atuação no mundo, pelo mesmo processo: como sujeitos vivenciando e tornando nossas experiências conteúdos arquetípicos desse mesmo inconsciente coletivo. Mas essa mudança apenas ratifica sua condição de modelo pré-existente para as novas gerações.



Esses arquétipos ou padrões vão ser vivenciados na história de cada sujeito, pois são o conjunto de todas as formas de se viver as relações na cultura, mas quando se “encarnam” na experiência individual tornam-se complexos, ou seja, a forma pessoal de experimentar aquele padrão arquetípico. Os complexos, então, são o conjunto de todos os eventos referentes a um determinado padrão, que foram experimentados, de maneira singular, na história de um único indivíduo.
Tomando como exemplo, uma das miríades de arquétipos possíveis: o relacionamento de amor ou a conjugalidade.  Todas as experiências de uma pessoa referentes a esse tema – se é casado ou não, como se deu o relacionamento amoroso de seus pais e das pessoas que conheceu e com quem conviveu, os sentimentos que foram despertados nessa área, a opinião que formou sobre o assunto (se chegou a formar ou não), suas expectativas e medos envolvidos e despertados nesse contexto, etc., –  formam uma rede de pensamentos e emoções, uma combinação perceptiva, toda pessoal, constituída por sua história; seu complexo.
Os complexos são intensidades integrantes da vida interior ou psíquica que não estão sob o domínio da dimensão consciente do indivíduo e que por isso tornam-se um desafio para o sujeito. Sua natureza autônoma, em referência ao consciente, é sentida por este como um campo desconhecido, desconfortável, ameaçador mesmo, o qual, não obstante, muitas vezes precisa ser confrontado ou explorado.



O Arquétipo do Herói – Seguindo esse pensamento, tomemos para nossa reflexão, a figura arquetípica do herói. É uma imagem carregada de força simbólica, com características específicas, predominantes e recorrentes com pequenas variações, conforme a época, cultura e corrente literária, nos diversos contos e narrativas, mas que quase sempre reúne atitudes de superação, transposição de obstáculos, transformação de ameaças em situações de segurança para si próprio e principalmente para outros, seja seus semelhantes, amigos, família, etc.
            Ele pode representar a condição humana, na sua complexidade psicológica, social e ética, mas também transcendê-la no que se refere aos atributos que ultrapassam a capacidade comum. Sua motivação está relacionada a ideais altruístas seja por desejos de justiça ou até de vingança e reparação. [...]
Sabendo que o arquétipo sempre possui um pólo negativo e outro positivo, tal heroísmo pode ser percebido como uma competência psicológica disponível que será usada pelo sujeito conforme sua maior inclinação: ser mais um na multidão – cumprindo e suportando todas as demandas e exigências sociais ou ser um “Si-mesmo” – indo ao encontro de anseios pessoais contrariando muitas vezes a expectativas de quantos ao seu redor.
O Show de Truman – Aproximando mais a intenção de apontar o heroísmo em Truman para tecer-lhe um paralelo contemporâneo, olhemos mais de perto para o nosso “herói”: o primeiro bebê no mundo a ser adotado por uma pessoa jurídica, Truman, foi criado por uma mega equipe de atores que compunham o maior Reality Show jamais levado ao ar por uma emissora de TV. Com sua vida televisionada vinte e quatro horas por dia, Truman cresceu achando sua vida normal (até certo ponto) e era o único que não sabia que todos estavam o tempo todo na TV.
Na ilha cinematográfica onde até o nascer e pôr do sol eram efeitos especiais, Truman conheceu algumas pessoas que se infiltraram no programa tentando avisá-lo do que jamais poderia suspeitar. Isso o deixava confuso e assustado, mas logo esquecia e voltava à vida “normal”.
            Dotado de uma suficiente “capacidade paranóica” o herói coleciona rostos retirados de revistas femininas com os quais faz recortes para tentar reconstituir o rosto de Sílvia, uma mulher por quem se apaixonou, no colégio, a qual tentou lhe dizer a verdade, mas que foi rápida e literalmente tirada de cena pela produção: um suposto pai veio arrastá-la alegando que era esquizofrênica!
            Esse evento foi marcante para Truman que a partir daí começou a fazer exaustivas observações no comportamento de todos ao seu redor; passando a empreender uma investigação obstinada, dedicando grandes cotas de seu tempo à observação de eventos repetitivos, chegando a acreditar que todos o estariam enganando.
Faz, então, testes com o sistema que é rigorosamente programado e altamente previsível, provocando verdadeiros transtornos no comportamento de qualquer transeunte. Percebe que a função de cada um está diretamente relacionada ao seu (de Truman) comportamento pessoal. Começa a atuar de forma autêntica, espontânea, imprevisível e causa distúrbios, que cada vez o levam a confirmar suas suspeitas, tendo também várias surpresas. Por exemplo, ao entrar de propósito no prédio vizinho ao que deveria entrar – o do seu trabalho –  vê nada menos que um grande making off onde deveria ser a porta do elevador. Ou quando deu a volta num engarrafamento, dizendo à “esposa” que desistira e voltaria para casa, numa guinada louca, e imprevisivelmente voltou ao mesmo lugar, o engarrafamento não estava mais lá!
            Para demovê-lo de tais desconfianças o diretor traz de volta o Pai de Truman que supostamente teria morrido num afogamento durante um passeio de barco com o filho. Tal simulação fora projetada para incutir na criança um trauma com relação ao mar; pois a água era o limite da ilha cinematográfica, o qual Truman não deveria ultrapassar.            Com o ressurgimento do Pai, o diretor Cristofer, lança mão da emoção para substituir a manifestação da lógica e da razão em Truman.
            Um outro recurso da produção muito eficaz era acionar o amigo de infância a quem Truman era muito apegado. [...]
A produção cometia muitas falhas e Truman não parou de colecioná-las[...]
Inesperadamente, Truman decidiu fugir pelo mar, usou de artifícios para driblar as câmeras, pegou um veleiro e seguiu ao que ele achava que era o mundo e acabou batendo com o barco no falso céu que era a cúpula faraônica que cobria a cidade, não sem antes quase ser morto pelas intempéries criadas pela produção. Ali o diretor conversou diretamente com ele pedindo que desistisse de sair, que o mundo real era muito mais cruel do que ali, que ele ali estaria protegido, que ele era inspiração para tantos que o assistiam, etc.
            Mas Truman decide sair, sendo assistido pelo mundo e por Sílvia que torcia por essa decisão. Dá uma última olhada para seu cenário-mundo e diz a frase que sempre dizia aos seus vizinhos pela manhã ao sair para o trabalho: “caso não os veja mais,  good afternoon, good evening, good night!” no tom especialmente irônico, inigualável de Jim Carrey!
O Heroísmo a Favor de Quem? – Numa comparação com a perspectiva individual do sujeito contemporâneo no mundo ocidental, Truman surge num contesto dado, imerso em um conjunto de regras sociais, com verdades que lhe são oferecidas prontas, situações e eventos dos quais não poderia jamais duvidar, não fosse sua aptidão e disponibilidade para questionar as falhas e incoerências do sistema. Desenvolve-se, assim como qualquer de nós, a partir de normas, padrões e hábitos que lhe são incutidos desde o nascimento e que se tornam elementos constitutivos de sua personalidade, história, fé, código de valores, enfim, seu modo de ser e de se relacionar com o mundo. Segue sua vida, cumprindo, heróica e literalmente, seu papel.



[...] Sob o enfoque psicológico, Truman está existencialmente sozinho; somente ele pode desejar e lutar por descobrir caminhos que o levem a novos lugares, a um acréscimo de consciencia. Ele precisa manifestar sua capacidade de julgamento e escolha.
Na contemporaneidade, a formação da personalidade se dá em semelhante contexto; desenhado pelos pais, educadores, igreja, quartel, etc. o homem quase não participa da construção dessa criatura que é ou pensa ser. Para tornar-se, o homem precisa despir-se bravamente de papéis sociais incutidos como o vendedor de seguros, o esposo amoroso, o vizinho atencioso e compreensivo, o amigo leal, o filho saudoso.
É uma atitude muito difícil, quase uma insurreição, colocar-se a favor de uma opinião ou desejo particular, em oposição a todos ao seu redor, principalmente das pessoas que se ama, em quem se aprendeu a confiar e a quem não se poderia jamais trair, e ainda, partindo de uma premissa duvidosa, seguindo o “coração”, “um chamado” – um Truman inspirado em Sílvia.
A despeito de não terem bases sólidas, mas muitas vezes absurdas e incompreensíveis para a maioria das pessoas com quem convivemos, as decisões que podem advir em tal momento de conscientização de nossa individualidade, têm um caráter irresistível e aterrador: “Deixar a Seguradora? Mas como assim? Um emprego tão bom! Divórcio? Meu Deus! Em que mundo nós estamos?”
Então, em um movimento imprevisível para o sistema, contra tudo e contra todos, Truman atravessa seus piores medos, enfrenta o mar, arrisca-se a morrer, e segue firme em sua jornada, ao encontro da possibilidade de ter uma história contada por ele mesmo. Ser protagonista, sim, mas também, e principalmente, diretor; num bom exemplo de como a capacidade heróica pode ser canalizada em favor do desenvolvimento pessoal, em detrimento de um sistema alienante.
[...]
Em nosso mundo globalizado está cada vez mais fácil ser qualquer um, o mesmo, igual. A tecnologia favorece uma padronização assustadora e alienante dos comportamentos e relacionamentos onde quem não se encaixa, torna-se um excluído, um verdadeiro “alien”.
Para o herói, como também para todos os simples mortais chega o momento em que Sílvia revela que há muito mais... A sedução que então nos alcança nos coloca frente à decisão de utilizar ou não nossa capacidade heróica para realmente sermos o protagonista, como também o diretor e o criador de nossos próprios roteiros!
Referências:
  
JUNG, Carl Gustav. Obras Completas de C.G.Jung VOL IX Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 1936.

 STEIN, Murray. Jung: O Mapa da Alma: Uma Introdução.tradução Álvaro Cabral; 5. ed. São Paulo:Cultrix,2006.

 GUIMARÃES, Carlos. O Poder do Mito por Joseph Campbell: Seleção, resumo e adaptação de – Disponível em: http://br.geocities.com/carlos.guimaraes/mitos.html acesso em 28/07/2008
  
SASS, Carlos Felipe. Show de Truman: Comentário em 08/08/2007Disponível em: http://www.cineplayers.com acesso em 06/01/2008.


A Individuação como Processo de Desenvolvimento Constante da Personalidade






Neste artigo revisaremos os principais conceitos formadores da personalidade para a Psicologia Analítica, ressaltando a característica dinâmica e relacional de seus componentes e demonstrando como essa economia pode ser utilizada pelo indivíduo para o alcance de um nível mais autônomo de vida, sem, entretanto, perder o contato com o seu grupo social. 

            Para o criador da Psicóloga analítica Carl Gustav Jung a personalidade total ou psique é composta de vários sistemas, mais ou menos independentes que atuam uns sobre os outros, numa inter-relação de poder e equilíbrio. São importantes centros de distribuição e tráfego da energia vital, a qual Jung chamou libido.
            Esses centros nomeados de: a) Ego, b) Consciência, c) Inconsciente Pessoal (e Complexos), d) Persona e Sombra, f) Anima e Animus, g) Inconsciente Coletivo (e Arquétipos) encerram conceitos e características muito específicas que descreveremos, a seguir, a fim de demonstrar algo de sua teoria da personalidade e embasar a reflexão que faremos a seguir. É claro que esses conceitos não encerram o pensamento junguiano, mas apenas servem de modo didático a uma percepção da dinâmica da psique como um todo.
O Ego – é um aspecto da psique que percebe a si próprio e o mundo em redor. Tem o senso de identidade e gerência; e se percebe como o centro da personalidade. O ego exerce um papel de governador ou controlador do acesso dos conteúdos das outras estâncias à consciência. O ego tem força de sujeito, tem vontade e é dotado da capacidade de julgamento.
A Consciência – é o entorno do ego. São conteúdos de domínio do tempo presente, manipulados conforme a melhor decisão do Ego. Constitui as lembranças e os atos que tiveram força suficiente para fazerem parte dessa estância.
O Inconsciente Pessoal – é uma face mais encoberta, composto de todas as vivências do sujeito, mas dotado de conteúdos não tão acessíveis. Aquilo que pode trazer desequilíbrio ou desorganização para a mente consciente, o ego prefere evitar. Isso não é necessariamente um recalque no sentido freudiano da palavra, mas uma forma de agir do Ego que evita unidades ou estâncias com as quais não pode se identificar e controlar.
Não obstante, nesse lugar podem ser guardadas coisas ameaçadoras de forma que a mente consciente e o Ego em si possam sentir-se seguros e socialmente aceitos.
Muitos dos conteúdos pertencentes a essa estância podem ser acessados com certa rapidez ou facilidade, dependendo do objetivo, do evento ou, até, das técnicas que pretendam esses resgates. Algumas experiências também podem ficar armazenadas aqui, não por serem inconvenientes, mas por sua característica de significado ou valor insuficiente para ocupar a consciência. Por exemplo, se quando alguém atravessou a rua em frente de casa, viu uma acerola esmagada na calçada.
Os Complexos – são redes de pensamentos, sentimentos, percepções e memórias obtidas na história pessoal. Esses complexos têm a característica de atrair e fazer girar em torno de si várias experiências afins que pretendem continuar existindo na história pessoal do sujeito.
Jung descobriu, nos testes de associação de palavras, que algumas respostas eram perturbadas por interferências que se manifestavam de modo não previsível, contrários à vontade do examinando. Pesquisando essas falhas nas respostas dos testes, pode observar a manifestação de conteúdos de intensidade emocional aos quais chamou “complexo de tonalidade afetiva”.
Na observação do fenômeno, o objetivo era avaliar as reações imprevisíveis e incontroláveis, para o testando, onde se manifestavam lapsos de tempo, justificativas, evasivas, perguntas, risos, confusão e descontrole para a simples tarefa de dizer uma palavra em resposta à outra, numa atividade de associação de palavras.
O complexo se insurgia, a despeito da vontade consciente, enfraquecendo a resistência e o controle do ego. Jung pensou, então, que aquela palavra estava ligada a uma rede de sentimentos e afetos que escapava ao domínio da consciência.
            Uma das conseqüências importantes dessa observação foi a de podermos perceber a consciência como uma estância de poderes limitados, numa situação de interação e negociação, que sofre interferências e interfere, mas que não é o centro controlador da psique.
            Um complexo ativo, portanto, pode provocar determinada situação psíquica, cuja forte carga emocional, incompatível com as disposições e atitudes habituais da consciência, se apresenta como um corpo estranho, animado de vida própria, colocando-nos, por algum tempo, num estado de não-liberdade, como por exemplo, nos casos de pensamentos automáticos e comportamentos obsessivos e compulsivos.
            Os complexos são responsáveis pelos atos falhos, e podem aparecer como sintomas ou personagens em nossos sonhos.
            Na psicose eles aparecem como altas vozes e apresentam características de pessoas. A inconsciência pronunciada a respeito dos complexos pode lhes conferir liberdade ainda maior, pois à consciência sempre caberá o papel de explorador e negociador da psique como um todo. Tal inconsciência pode facilitar um processo de assimilação, onde o eu (ego) corre o risco de identificar-se com o complexo promovendo uma modificação momentânea, (ou não) da personalidade, sintomática, neurótica, sofrível para o sujeito.
É importante para o complexo egóico ter como líquido e certo que embora não sendo único habitante da psique precisa governar e proteger seu território e que para tal sempre poderá lançar mão das negociações disponíveis. Para tanto precisará permitir que alguma energia possa ser assimilada por outras estâncias da psique sem, contudo, ser imparcial nessas concessões.
            A tendência de rejeitar a realidade dos complexos, pode ser prova, de que tal incômodo demanda forte defesa atestando, portanto não sua inanidade, mas sua importância. Os complexos, então, podem ser percebidos como assustadores ou sedutores, exatamente por sua característica de liberdade e poder.
A Persona – é outro conceito muito explorado na Psicologia Junguiana. É a “máscara” usada pelo indivíduo em resposta às convenções e demandas sociais. É a personalidade pública. É comum o ego se identificar com a persona ignorando outros sentimentos e aspirações genuínas, disponíveis na psique.
A Sombra – pode ser pensada como o oposto da persona, ou seja, é constituída pelas atribuições e características que o ego preteriu em seu processo de formação da persona. A sombra contém aqueles elementos e características que são indesejáveis ou inconvenientes à constituição da personagem pública. É a nossa humanidade em seu sentido menos social e mais selvagem que “precisa de domesticação”.
Animus e Anima – Em razão da condição física e influenciado pelos padrões culturais, o ego do homem, se identifica mais com um aspecto considerado predominantemente masculino para constituição de sua persona e o da mulher com o aspecto feminino. Os conceitos de Anima e Animus representam o oposto preterido quando formatamos nossa identidade de gênero. São os conjuntos de atitudes mais características do sexo oposto, não muito utilizados, e que ficam como um conteúdo potencial, que entretanto exerce forte influência sobre o indivíduo em diversas situações pontuais. Esses arquétipos podem ajudar a compreender o outro sexo ou, muitas vezes, fomentar conflitos. Por exemplo, se um homem admitiu como conteúdo necessário ao estabelecimento de sua persona, uma atitude mais radical e objetiva, sua habilidade para lidar com as emoções (se porventura considere atributo do mundo feminino) pode estar pouco desenvolvida e alijada nesse conteúdo psíquico ANIMA.
            Porém, mesmo desse lugar, ANIMA o influencia e “reclama” quando não é convidada a participar de questões de sua vida onde suas habilidades seriam de grande valia se combinadas com aquelas que esse homem habituou-se a utilizar.
            Se esse homem do nosso exemplo admite, por vezes, adotar práticas mais suaves, femininas, ser talvez emotivo ou ter abertura para adotar, em alguns momentos, comportamentos não muito comuns a sua persona, ou se é radical em relação a isso, se tem uma persona colada ou rígida, isso poderá determinar sua saúde mental ou propiciar o surgimento de uma neurose.
            Reconhecer que não somos “só” isso (o que somos na imagem pública) pode ser de grande importância para uma vida mental saudável. Assim como Caetano Veloso pôde confessar: “Que nada! Minha porção mulher que até então se resguardara, é a porção melhor que trago em mim agora, é o que me faz viver...”.



O Inconsciente Coletivo – é um arsenal dos traços de memória de todas as experiências humanas e até pré-humanas e animais. É o grande arquivo psíquico, cultural, um memorial que detém a trajetória da evolução do homem. Do inconsciente coletivo herdamos a possibilidade (inevitável) de viver as experiências das gerações passadas. É histórico, comum a todos os seres humanos; já nascemos imersos nesse mundo de experiências e percepções que nos precederam, predispostos para vivenciar toda e qualquer experiência que ele contenha.
Os Arquétipos – Jung chamou arquétipos, a esses padrões culturais de comportamento ou de atitude humanos que se propagam através das gerações sendo reeditados na história pessoal. Jung observou que esses padrões se repetem e comparou-os à herança genética, como se estivéssemos falando de uma herança psíquica. Os arquétipos são como matrizes ou papéis que estão à disposição do ator.
Essas formas ou padrões são revividos por cada sujeito, que lhe dá a configuração, o colorido e o valor pessoal de acordo com sua história e atitudes peculiares. Aqui, na vivência, esse fenômeno assume uma característica de mão dupla, uma vez que nossas atuações vão inevitavelmente imprimindo novos padrões ao conjunto de arquétipos disponíveis.
Individuação – A partir desses constructos, Jung explora a natureza da psique humana e chama “processo de individuação” o desenvolvimento pessoal através das experiências da vida, o contato e assimilação das diversas habilidades que estão colocadas para o indivíduo, num intercâmbio psíquico, onde o sujeito pode cada vez mais conhecer-se a partir de elementos internos e em contato permanente de troca com a cultura onde está inserido.
            Em outras palavras, o que herdou, mais o que recebe do mundo e o que pode produzir de conhecimento e autoconhecimento, a partir dessa combinação, é o trabalho da individuação.



           Enfim, tornar-se! Desenvolvendo singularidades; captando, transformando, elaborando e contribuindo, por sua vez, com inconsciente coletivo, existindo naquilo que foi capaz de perceber e experienciar, uma vez que nossa experiência de mundo não está determinada pelo inconsciente, ao contrário, será elaborada a partir das infinitas possibilidades que ele, a cultura e os relacionamentos nos apresentam. O processo de individuação nunca termina. Sendo a vida, dinâmica por definição, sempre proporcionará novas configurações, e a oportunidade de ser, a partir de todos, único.

Então...
            Podemos pensar, que, para Jung, a constituição da personalidade é um processo dinâmico e contínuo, diferente de outros pensadores que definem uma estrutura de personalidade que se forma durante um tempo determinado, em estágios definidos, paralelamente ao desenvolvimento físico e chega a uma formação completa em determinada idade.
            Podemos observar nesses constructos definidos por Jung uma qualidade ativa e funcional, onde as várias competências e capacidades, como que links, estão potencialmente disponíveis para o trabalho de elaboração e produção de nossas próprias competências, de vida. Elas não são estruturas num sentido acabado e estático, mas polaridades energizadas, disponíveis para interação.
            É como se uma vivência ou um evento com o qual o sujeito se depara fosse uma matéria prima e (se ele não sabe bem como lidar com ela) ele pode levá-la ao confronto com uma dessas estâncias e ali trabalhar, modelar, deixar (re)nascer a experiência. Deixar ferver, ou secar, ou resfriar. É como se as faculdades psíquicas pudessem burilar uma matéria bruta, como se já tivéssemos, em algum lugar, a resposta para todas as nossas questões – ou melhor, a capacidade para construí-las. Não uma resposta feita apenas de palavras, mas de vida.
            Entretanto, o que dificulta esse processo é o simples fato de que na maioria das vezes “já sabemos” de antemão que temos um problema, que ele é de tal ou qual ordem e causa. Isso fecha o sentido e não se pode mais navegar na experiência. Estamos com uma carta sentença escrita nas mãos: “sou isso”, “tenho aquilo”. Aqui reside uma grande dificuldade da nossa cultura: ter sempre uma resposta pronta e não se dar tempo para encontrá-la; não conviver com o numinoso, irreal, desconfortável ao nosso espírito positivista e pragmático.   
            Como no exemplo de Caetano Veloso, se pudermos reconhecer, explorar e manifestar essas nossas porções das quais até então nos resguardamos, teremos muito mais riqueza para viver do que se colarmos o papel social que deu certo em determinado momento com determinado grupo. Isso é uma atitude econômica do ego que não quer correr riscos, mas é uma falsa idéia de segurança, pois não se pode viver evitando a vida. Nossa riqueza interior está sempre pronta a nos oferecer um leque de possibilidades das quais nossos antolhos favoritos sempre nos privam.
            Não se trata de perder o controle, mas de perceber o equilíbrio e a influência como uma via de mão dupla. Aqui está o ponto mais importante da compreensão do panorama da psique de Jung: a possibilidade de você aparecer ali e fazer coisas.
            A produção que resultará dessa percepção ampliada nos fará individuados, atentos e com uma atuação-no-mundo que falará – não com palavras – de uma saúde mental e corporal de característica holística. 

Referências:
  
AURÉLIO – Dicionário Eletrônico.
  
JUNG, Carl Gustav. Obras Completas de C.G.Jung VOL IX Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 1936.
  
STEIN, Murray. Jung: O Mapa da Alma: Uma Introdução.tradução Álvaro Cabral; 5. ed. São Paulo:Cultrix,2006.